Sempre fui do tipo adolescente rebelde incompreendida que ninguém se quer fazia questão de entender. Me lembro de ter sido uma criança normal, mas com alguns acontecimentos em minha vida me tornei insegura, chata e fechada para todos. Minha mãe costumava dizer que eu nem sorria, de tão amargurada que eu era (e ainda sou), e em uma tarde de domingo conheci Sophia que também era assim, e me fez pensar sobre mim e o que eu estava vivendo. Ela era o meu reflexo de tristeza só que com pouca idade e ainda com inocência.
Eu e Sophia no banheiro escondendo do Dudu e fazendo pose para a selfie. |
Era mais um aniversário normal que eu iria no prédio da minha madrinha, e logo já me agitei como de costume e corri para brincar com o Dudu (filho dela que eu costumava brincar desde que ele nasceu), mas em meio as brincadeiras, vi uma menina tímida em um canto parecendo querer brincar e então resolvi ir conversar com ela.
Minha irmã continuou brincando com a Lara, o Dudu, o Bê (irmão do dudu) e meu irmão Thiago, enquanto eu tentava conversar com ela. Logo de cara notei que ela tinha dificuldades de comunicação e o português era meio falho, e então me revelou que na verdade morava nos EUA e que estava passando as férias com a madrinha dela aqui no Brasil. Eu achei um máximo (lógico) e disparei diversas perguntas e Sophia ficou bem animada em responder. Depois de um tempo entre brincadeiras e perguntas ela começou a desabafar um monte de coisas sobre sua vida:
"Eu não gosto de morar lá! as pessoas são chatas e eu não tenho amigos na escola. Meus pais não ficam em casa e minha irmã mais velha é muito chata comigo."
Eu a carreguei no colo e ela ficou extremamente feliz enquanto ainda revelava:
"Eu queria ser um bebê bem pequeno que nem o Bê." Eu perguntei porque e ela completou:
"Meus pais não me carregam mais no colo,ninguém parece se importar mais comigo depois que eu comecei a crescer."
"Ninguém tem tempo para brincar comigo mais."
De certo isso partiu meu coração e não pude deixar de notar uma ponta de tristeza em seu olhar. Ela tinha muito de mim dentro dela e eu fiquei pensando... e se eu pudesse adotá-la e nós duas iríamos morar em qualquer lugar juntas, e eu poderia dar o amor que ela queria tanto receber e eu ganharia em troca. A essa altura as pessoas perguntavam quem ela era e porque eu a estava carregando pela festa, elas pareciam meio incomodadas por eu estar dando tanta atenção a ela, coisa que ninguém ali fazia, mas eu não me importei.
Sophia era tão contagiante e ficou tão empolgada de ter alguém pra conversar, e mal sabe ela que eu também precisava desabafar e isso é tão estranho, tipo uma adolescente de 17 anos (na época) contando seus problemas a uma criança de 9 anos que a entendia tão bem. Eu não sei,mas acho que éramos interligadas e esse dia realmente não aconteceu pelo acaso. Depois de todas as frases de frustração que ela me disse eu só queria dar a tarde que ela jamais teve na vida, e isso incluiu tanto as brincadeiras quanto as sessões de desabafos dela. O mais engraçado era a ver trocando as palavras entre as brincadeiras como "Firro" que deveria ser ferro e quando ia chamar o Dudu, a Sophia sempre se confundia e o chamava de "ela" o deixando completamente furioso (risos).
Nós brincamos de tudo quanto é possível, desde as brincadeiras de rua até as de mesa, e no final do dia eu, ela e o Dudu fomos brincar de uma brincadeira que eu e meus amigos fazíamos na escola, que consiste em ficar de meia enquanto o outro te puxa pelo corredor para que você deslise radicalmente hahaha. No caso eu puxava os dois de uma vez, um segurando em cada uma de minhas mãos e o resultado na hora de dormir não poderia ser outro, dor nos ombros a noite toda, mas quando eu me lembrava do sorriso de ambos minha consciência se alegrava.
Dudu e Sophia descansando depois de muitas brincadeiras |
Infelizmente só a vi nesse único dia e me lembro dela ter ficado bem triste. Sophia queria que eu fosse embora com ela e até hoje fico me lembrando daquela frase cortante " Você podia ser minha mãe ou minha irmã" e eu ainda tentei pegar algum contato para que nós duas pudéssemos nos falar depois, mas infelizmente não havia nada. Ao contrário das crianças de hoje ela não era uma criança superconectada.
Sinto falta do Dudu também, eu passava todas as férias, festas e dias que eu não tinha aula com ele e nós brincávamos até o finalzinho do dia, mas a vida tratou de separar todos nós e nunca mais vi nenhum dos dois e mesmo assim com a minha vida "adulta" de faculdade e etc, seria impossível me encontrar com eles, mas eu arrumaria um tempo na agente hoje mesmo se houvesse a possibilidade de revê-los. A saudade é mesmo marcante, e nunca houve duas crianças que me entenderam tanto quanto eles, que me faziam me esquecer dos meus problemas e lembrar que existem coisas maiores do que eu mesma e meus sentimentos egoístas.